O Problema Mediúnico - Capítulo V
Foi por intermédio do mediunismo que o espiritismo fez seu advento. Foi com seu concurso que sua sistematização foi feita, que
seu corpo de doutrina foi criado. O mediunismo, surgindo então em
bloco, aparece como um movimento inteiramente novo e permanente. Ele ficou formando toda a aparelhagem de manifestações espíritas e de “comunicações”, entre o mundo invisível e o mundo visível, e por onde devia ficar vazado todo o material que havia de constituir as bases do edifício que ia ser erguido. É em torno dele que começa a girar toda a arquitetônica do pensamento espírita.
Depois da publicação de O Livro dos Espíritos, o intuito principal de Allan Kardec é justamente fazer o estudo dessas manifestações e de tudo o que tem relação com o médium. É o que compreende a Instrução prática sobre as manifestações espíritas (Instructions pratiques sur les manifestations spirites) publicada em
1858 e O Livro dos Médiuns (Les Livre des Mediums, 1861). Esses dois livros são ainda hoje duas fontes imprescindíveis, as primeiras
fontes onde todos os que são médiuns e os que se servem de médiuns, devem ir beber.
Fazendo o estudo das forças mediúnicas, Allan Kardec julgava, entretanto, que nenhuma experiência devia ser tentada sem o conhecimento prévio da teoria, pelo menos nos seus dados preliminares. Dá-se com o espiritismo o mesmo que se dá com as outras
ciências. Para que sejam feitas experiências em qualquer outro ramo da ciência, é necessário possuir-se conhecimentos, ainda que elementares dessa ciência. “Para fazer-se experiência de física ou de química, lembrava bem Allan Kardec, é preciso conhecer-se a
física e a química.”
Com a lógica é que poderão ser obtidos os melhores resultados no estudo do espiritismo. Não será com experiências exclusivamente
que a maioria dos descrentes ficará convencida. “Desde que nos ocupamos de espiritismo, disse Allan Kardec, muitas pessoas nos têm vindo procurar mostrando-se indiferentes ou incrédulas diante dos fatos os mais patentes, e que não se convenceram senão mais tarde depois de uma explicação racional. E quantas não têm sido persuadidas sem nada terem visto, mas unicamente porque tinham compreendido! É, pois, por experiência que falamos, e é também porque dizemos que o melhor método de ensino espírita é de se dirigir à razão antes de se dirigir aos olhos.”
Isto não quer dizer que Allan Kardec menosprezasse os fatos. Sua importância não pode ser contestada. O que ele diz é que os fatos
sem o raciocínio não bastam para firmar convicções. Mostrando-se que eles não têm nada de contrário à razão, fica-se mais disposto a aceitá-los. Dez pessoas, diz ele, que assistam a uma sessão de experiências, ainda que seja das mais satisfatórias, nove sairiam sem crer, porque as experiências não podem corresponder à sua expectativa. Será de outra maneira se elas tiverem o conhecimento teórico antecipado. O insucesso que haja, porventura, não as surpreende, porque elas conhecem as condições em que os fatos se produzem e vêem que é preciso não exigir senão aquilo que pode ser dado. A inteligência dos fatos as põe em estado de perceber as anomalias, permitindo-lhes apreender uma multidão de detalhes, de nuanças, que para elas são meios de convicção e que escapam ao observador ignorante. “Tais são
os motivos, acrescenta Allan Kardec, que nos levam a não admitir nas nossas sessões experimentais, senão as pessoas que possuam noções preparatórias, suficientes para compreender o que se faz nelas”.
Allan Kardec, Le Livre des Mediums, n° 31.
31 Idem, nº 38
O médium tendo representado um papel decisivo na constituição do espiritismo, pergunta-se então o que é um médium, o que é a mediunidade.
É desnecessário discorrer aqui sobre a causa principal da mediunidade, bem entendido, da mediunidade real e efetiva, isto é, sobre a causa moral, com que ela se apresentou. O espiritismo aparecendo com os foros de uma filosofia eminentemente regeneradora e o mediunismo em conjunto tendo sido seu modo único de divulgação, a mediunidade em particular não podia deixar de trazer a mesma finalidade moral. O que é preciso saber agora é em que
condições físicas, ou antes, fisiológicas, ela se opera, e o que constitui uma natureza mediúnica.
A questão fisiológica da mediunidade não foi ventilada na época do aparecimento do espiritismo. Tendo sido alegado apenas que
a mediunidade provinha do organismo ou que dependia de um organismo mais ou menos sensitivo, não era resolver a questão. Parece mesmo que ela não poderá ser resolvida ou bem elucidada, senão depois de ter sido feito o estudo das funções perispirituais no indivíduo. O que hoje se sabe também pouco adianta. Confirma-se a mesma ideia com um pouco mais de precisão. É, de fato, em virtude de um organismo apropriado que a mediunidade se verifica. Ela depende, na expressão de um espírito esclarecido, de uma constituição orgânica físicoquímica especial.
O médium é então um indivíduo que aparece com a faculdade de filtrar por si, num estado especial, ou sob ação magnética de um es-
pírito, através dos tecidos orgânicos, sua substância fluídica, total ou parcialmente. Vê-se então se o médium, só por isso, não é uma entidade patológica, como disse Allan Kardec, é, entretanto, um ser anormal.
Pierre Cornillier, La Survivance de l'Ame, págs. 120 e 147.
O estudo das principais espécies de médiuns mereceu de Allan Kardec uma análise demorada. Ele as resume, de acordo com seus guias espirituais, num “quadro sinótico” e faz dele, com a “escala espírita”, que é uma classificação dos espíritos, publicada em O Livro dos Espíritos e na Instruções práticas sobre as manifestações espíritas, dois elementos essenciais para o estudo do espiritismo.
Considerando o mediunismo, na orientação mesma da classificação feita por Allan Kardec, em relação aos médiuns, quando os divide nas duas categorias de efeitos físicos e intelectuais, nota-se que todo ele foi, na aparição, dominado por dois problemas fundamentais: o das manifestações físicas e o das manifestações intelectuais, ou mais propriamente “comunicações”. Encarada no sentido mais largo, vê-se que a classificação das
manifestações mediúnicas em físicas e intelectuais é ainda a que deve ser adotada. Entretanto, pelo seu caráter geral, ela pode dar lugar a outras classificações, ou, antes, subclassificações, que não podem dei-
xar de ser feitas, desde que se queira estudar as causas dessas manifestações e seus processos. Isso quer dizer que as manifestações mediú-
nicas, como as físicas, inclusive as biológicas, como as intelectuais, inclusive as psicológicas, não estando todas sujeitas à mesma totalida-
de de circunstâncias, cada ordem de manifestações deve ser classificada à parte, com seu modo de interpretação, com o estudo, enfim, de seu mecanismo.
Não há necessidade de fazer o estudo das manifestações físicas e das intelectuais, porque foram longamente estabelecidas por Allan Kardec em O Livro dos Médiuns. O que ficou dito por ele basta para provar cabalmente a exatidão de certos princípios mediúnicos. O mais importante deles, o mais geral, o que ficou predominando no estudo particular dos fenômenos mediúnicos, é o de necessidade imprescindível da ação dos dois perispíritos, o do médium e o do espírito operador, ação praticada, ou no sentido de uma combinação fluídica com exteriorização parcial ou total do médium, ou no sentido somente de uma desassociação perispírita com ação orgânica direta. Essa correlação entre os dois perispíritos deve ser indicada assim, como o postulado fundamental do mediunismo.
Por outro lado, essa correlação não se efetua senão por causa de certas propriedades que possui o perispírito, e que já foram
indicadas atrás, como as de dilatação, condensação, assimilação, penetrabilidade e magnetização, que devia ser antes considerada
como uma propriedade eletromagnética. São elas, pode-se dizer, que fazem germinar nos organismos físicos apropriados, que se vão
generalizando cada vez mais, as diferentes faculdades mediúnicas, que podem ser cultivadas e educadas.
É também indispensável não esquecer a influência, não só moral como física, que sofrem os fenômenos mediúnicos, influência
sempre exercida, não só pelo estado evolutivo do médium, como pelos meios ambiente e cósmico. Tudo concorre para que sejam criadas situações vibratórias particulares, que são sempre postas em jogo pelo impulso de forças atrativas e repulsivas, e por outras ainda não estudadas, mas observadas.
Extraído do livro Allan Kardec e o Espiritismo - Chrysanto de Brito - Ed ECO
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